Análise do jogo Dispatch

Durante a primeira metade da década de 2010, os games de narrativa interativa ganharam certa popularidade na indústria, com títulos como The Walking Dead e Life is Strange sendo aclamados pelos jogadores e a crítica. Com o passar dos anos, novos games com essa proposta chegaram ao mercado, incluindo novas entradas das duas franquias mencionadas, mas o impacto já não parecia ser o mesmo. Quem parece querer mudar esse panorama é Dispatch, projeto de estreia do AdHoc Studio, formado por ex-integrantes da Telltale Games, Ubisoft e Night School Studio. Com episódios lançados semanalmente entre outubro e novembro deste ano, a comédia envolvendo super-heróis parece ter resgatado uma áurea que não se via há algum tempo.
Dispatch é ambientado em uma Los Angeles em que super-heróis e supervilões com as mais diferentes aparências coexistem com os humanos. Quem auxilia na segurança da cidade há quase cinquenta anos é o Homem-Meca, um cidadão comum e sem superpoderes que construiu um traje resistente capaz de enfrentar variados tipos de adversidades. Depois de seu avô e seu pai terem assumido tal posto, o jovem Robert Robertson é a terceira geração de sua família a atuar como Homem-Meca, arriscando sua vida para proteger a comunidade.
No início do game, acompanhamos Robert buscando informações sobre o responsável pela morte de seu pai. Tendo ficado preso quinze anos por ter cometido tal crime, Mortalha conseguiu fugir da cadeia e está novamente atuando no mundo do crime. Robert então decide ir atrás do assassino de seu genitor, mas as coisas acabam não saindo muito bem para o seu lado: se machucando gravemente e sem possibilidade de recuperar seu traje devido aos danos sofridos, o protagonista anuncia seu afastamento das funções de super-herói.
Apesar de não estar mais atuando como Homem-Meca, Robert ainda guarda dentro de si um forte senso de justiça, o que o leva a encarar um grupo de bandidos que estava furtando uma loja. Ainda se recuperando dos ferimentos, ele se torna uma presa fácil para os assaltantes até a super-heroína Loira Luminar aparecer para socorrê-lo. O que Robert não esperava é que ela tinha ido atrás dele para convidá-lo a fazer parte da Rede de Envio de Super-Heróis (RES), uma empresa que permite que seus assinantes solicitem assistência de super-heróis por meio de telefonemas. Em troca de coordenar e orientar um grupo de heróis novatos, a RES tentaria consertar o seu traje, permitindo que ele voltasse a ativa como Homem-Meca.
Sem ter muito a perder, Robert decide aceitar o emprego. A equipe pela qual ele será responsável é formada por integrantes do Programa Fênix, ex-supervilões que estão em processo de reabilitação para que possam voltar à sociedade e utilizar seus poderes para fazer o bem. Sentado na frente de um computador em uma filial da RES, ele precisa guiar o grupo, chamado de Equipe Z, para atender as solicitações que aparecem em uma região da cidade. Como quase ninguém sabe da sua identidade secreta, a maioria das pessoas pensam que ele é só mais um que não conseguirá passar do primeiro dia de serviço.
Sempre que selecionamos um pedido de ajuda, nos são fornecidos requisitos para conseguir lidar bem com a solicitação. Cada personagem possui um gráfico com as áreas em que se destaca e aquelas em que deixa a desejar. As habilidades são divididas em combate, vigor, mobilidade, carisma e intelecto. Quanto mais as habilidades se alinharem com o que é exigido pela missão, maiores são as chances de obter sucesso. Alguns trabalhos precisam obrigatoriamente ser cumprido por apenas um herói, enquanto em outros podemos decidir a quantidade de integrantes que serão enviados. Pode acontecer de durante um atendimento ser necessário prestar auxílio a quem está lidando diretamente com a situação: como líder da equipe, cabe a nós tomar uma dentre as decisões possíveis para concluir o pedido.

Parte do desafio consiste em saber gerir a equipe conforme as solicitações vão surgindo: se enviarmos muitos heróis em um chamado, pode ser que falte pessoal para atender outras demandas. Além disso, sempre que os personagens retornam à sede da RES após cumprir um trabalho, eles precisam descansar por um período até ficarem novamente disponíveis. Quando não conseguimos cumprir uma solicitação, seja por não realizar o atendimento dentro do prazo ou por enviar personagens com características diferentes daquelas exigidas, sofremos uma penalização de pontos no final do turno. O fracasso também pode causar danos em quem foi erroneamente escalado para cumprir o objetivo; se um herói ferido se machucar novamente, ele fica incapacitado durante o restante do turno.
À medida que realizam as tarefas com sucesso, os personagens recebem pontos de experiência e, sempre que sobem de nível, ganham um ponto de habilidade. Esse ponto pode ser utilizado para aumentar qualquer um dos atributos do herói. Aqui o jogador novamente deve fazer um trabalho de gerenciamento, já que é interessante ter uma equipe formada por integrantes com diferentes aptidões. Ocasionalmente durante os turnos é possível enviar personagens para realizar treinamentos, o que possibilita o desbloqueio de poderes especiais. Robert também sobe de nível ao fazer a equipe obter sucesso nos chamados, o que nos possibilita fazer certas ações especiais, como utilizar um personagem que está descansando ou reabilitar um herói abatido, além de um ponto de habilidade aleatório que pode ser atribuído a qualquer personagem.
Outra mecânica presente no gameplay é a resolução de puzzles enquanto Robert tenta hackear algo. Esses quebra-cabeças começam simples e vão se tornando mais complexos conforme avançamos no game. Tudo se resume a controlar um objeto geométrico até alcançar um ponto específico. Para abrir caminhos, muitas das vezes é necessário usar comandos direcionais, memorizar senhas, fazer a transferência de fontes de energia entre blocos e evitar ser pego por orbes que nos perseguem. Há casos em que também é necessário achar o local que corresponde a uma frequência de onda. No geral, assim como os demais elementos do game, a jogabilidade é simples e funciona bem. Faço apenas uma ressalva: nos momentos em que há um grande número de chamados, a navegação entre os objetivos não funciona muito bem jogando com um controle, algo que não se repete quando utilizamos um mouse.
Dispatch é aquele tipo de jogo em que a narrativa desempenha um papel fundamental, já que em parcela considerável do tempo assistimos cenas e acompanhamos diálogos. Participamos regularmente da construção da história fazendo escolhas, embora a maioria delas não provoque mudanças profundas. Ainda assim, é legal ver um personagem reagindo às nossas ações, seja praticando uma ação ou falando algo engraçado. O grande mérito do jogo é apresentar um enredo bem desenvolvido e com personagens que vão ganhando novas camadas à medida que progredimos. É uma mistura de drama com comédia que se torna cada vez mais interessante ao longo dos oito episódios, cada um com duração aproximada de uma hora. Sobre a conclusão da história, digo apenas que é feita de forma magistral.
Visualmente, Dispatch é um espetáculo! Na maioria dos momentos, parecia que eu estava jogando um desenho animado dos bons, com uma estética artística muito bonita e animações de extrema qualidade. Tudo isso é complementado por um trabalho de dublagem espetacular, o que contribui para transmitir as personalidades excêntricas dos personagens, especialmente os integrantes da Equipe Z. Dentre os dubladores estão nomes como Aaron Paul, Jeffrey Wright e Laura Bailey. Completando os elementos audiovisuais, os sons ambientes são bons e a trilha sonora é bastante agradável.
Dispatch está disponível para PC e PlayStation 5. Esta análise foi feita com base na versão de PC com uma cópia fornecida pelo AdHoc Studio.
Especificações do computador utilizado para a análise: Ryzen 7 5700X, RTX 3060 12 GB, 32 GB de memória RAM DDR4 3200Mhz.

Considerações finais
Apostando em uma premissa que mistura videogame com série de TV animada, Dispatch consegue dar uma revigorada nos títulos de narrativa interativa ao apresentar um enredo consistente e extremamente bem trabalhado, que sabe dosar bem momentos de drama e humor. Conforme jogamos os oito episódios, acompanhamos a evolução de um elenco variado de super-heróis e vemos o trabalho de gestão de recursos se tornar cada vez mais complexo.
Seguindo o alto padrão da narrativa, o game também impressiona pelos seus belíssimos gráficos, animações e um elenco de dublagem que faz um trabalho extremamente competente. Contando com uma jogabilidade simples, o título de estreia do AdHoc Studio é uma grata surpresa, mal posso esperar pelos próximos projetos dessa talentosa equipe de desenvolvedores.