Análise do jogo Digimon Story Time Stranger

A franquia Digimon sempre ocupou um espaço curioso na cultura pop: jamais foi totalmente esquecida, mas nunca voltou a alcançar um sucesso verdadeiramente estrondoso após o auge que viveu no início dos anos 2000. Durante os últimos anos, a série passou por diversos gêneros e plataformas, arriscando-se no nichado estilo das visual novels e até lançando RPGs para o esquecido PlayStation Vita. É nesse contexto que surge Digimon Story Time Stranger, um título ambicioso que combina as tradicionais batalhas por turno da franquia com um mundo repleto de personagens, atividades opcionais e uma estrutura que remete a franquias japonesas de grande sucesso recente, como Persona e Yakuza.

Digimon Story Time Stranger impacta já de início pelo quão grande e completo ele demonstra ser. Em vez de tentar impressionar com visuais realistas ou um mapa extenso, o jogo apresenta sua ambição por meio da densidade de suas mecânicas. Logo no primeiro encontro com os Digimon, somos apresentados a uma enorme variedade de criaturas, cada uma com ataques próprios, vantagens e desvantagens baseadas em elementos, habilidades especiais e outras peculiaridades. Durante a primeira hora, informações novas simplesmente não param de chegar, sobrecarregando e fascinando o jogador na mesma medida. É possível atacar os oponentes antes de iniciar a batalha por turnos, usar os Digimon para desbloquear partes inacessíveis dos cenários e até mesmo estabelecer diálogos com seus monstrinhos.

O mundo de Time Stranger é aconchegante o suficiente para tornar missões secundárias de leva e traz de itens toleráveis e, por vezes, interessantes. Sua estrutura é sólida o bastante para sustentar até os momentos menos inspirados do gameplay. Ajudar um NPC pouco expressivo, que sequer possui voz, a encontrar uma pessoa desaparecida está longe de ser empolgante, mas cruzar o caminho de um novo Digimon durante este processo e poder trazê-lo para o seu time torna a experiência surpreendentemente recompensadora. Um novo aliado não representa apenas ajuda no combate, mas também pode ser uma montaria que facilita a exploração dos ambientes a serem descobertos.

O sistema de batalhas segue o modelo clássico de combate por turnos, mas possui camadas o suficiente para manter o jogador interessado ao longo de dezenas de horas. É possível controlar no máximo três monstros digitais durante um confronto e, nele, podem ser selecionados ataques básicos, habilidades especiais com animações caprichadas, o uso de itens de cura e até uma espécie de pistola de energia personalizável, capaz de causar dano aos inimigos ou fortalecer os aliados. Se por acaso muitos Digimon selvagens começarem a criar mais situações de combate do que o desejado, é possível fugir ou até mesmo acelerar e automatizar o confronto, garantindo um farming saudável.

Enquanto Pokémon costuma apostar em evoluções lineares, nas quais as criaturas mantém certa coerência com suas formas anteriores, Digimon segue o caminho oposto. Aqui, um mesmo ser pode evoluir para formas completamente diferentes, dependendo de uma série de condições específicas. Essa complexidade, embora fascinante, eventualmente se torna cansativa, já que o processo muitas vezes exige cumprir missões secundárias maçantes até alcançar a digievolução desejada. Ainda assim, ver seu time progredir é sempre recompensador, e a possibilidade de reverter as evoluções garante que nenhuma escolha carregue o peso de ser definitiva.

O jogo se desenvolve em dois ambientes principais que formam a espinha dorsal da experiência. De um lado, temos o cenário urbano do Japão moderno, onde o jogador investiga eventos e interage com outros humanos em uma atmosfera mais séria e investigativa. Do outro, está o Digimundo, um espaço fantástico, vibrante e cheio de personalidade. É nesse universo digital alternativo, com áreas repletas de monstros carismáticos, missões com contextos bizarros e até puzzles de cenário, que o game encontra seu auge, mesclando com êxito combate e exploração.

Essa divisão entre os dois mundos também se reflete na narrativa, que se destaca justamente por explorar a relação entre humanos e Digimon. A trama começa mais centrada no núcleo humano, porém ganha outro patamar quando as criaturas digitais começam a assumir o protagonismo. Nesse momento, a história fica mais épica, engraçada e um pouco emocional. Alguns Digimon são surpreendentemente racionais e se assemelham aos humanos até mesmo em aparência, enquanto outros são completamente diferentes e sem noção, garantindo momentos divertidos que equilibram o tom da narrativa. Além disso, há uma mitologia vasta que sustenta os acontecimentos e reviravoltas da história.

O grande problema é que, até chegar ao Digimundo, pelo menos três horas e meia de jogo terão se passado. O que vem antes, embora já conte com um sistema de combate competente, não tem o charme daquele universo vibrante, cheio de criaturas carismáticas. As horas iniciais são uma versão contida e menos envolvente da experiência, que facilmente pode afastar alguns jogadores menos engajados no universo da franquia. A investigação e os confrontos relacionados ao surgimento dos Digimon no mundo real cumprem seu papel como uma história que justifica os eventos do jogo, enquanto os acontecimentos após a chegada no Digimundo empolgam de verdade, criando curiosidade acerca da narrativa.

A trilha sonora é razoável, com faixas que, apesar de cumprirem bem seu papel de empolgar ou mesmo emocionar, acabam ficando repetitivas e cansativas, especialmente em sessões longas de batalha ou combates consecutivos. Além disso, a venda separada da trilha sonora do anime por R$ 114 é uma decisão incompreensível, já que incluí-la no material base agregaria muito apelo para os fãs da velha guarda. Felizmente, esse tipo de prática não faz com que Digimon Story Time Stranger soe como um jogo incompleto. A experiência básica, sem nenhuma compra adicional, já oferece pelo menos trinta horas de diversão e algumas mecânicas realmente fascinantes, como a fazenda digital, onde é possível alimentar e cuidar dos Digimon.

Digimon Story Time Stranger está disponível para PlayStation 5, Xbox Series e PC. Esta análise foi feita com base na versão de Xbox Series S com uma cópia fornecida pela Bandai Namco Brasil.

Considerações finais

Digimon Story Time Stranger captura bem a essência da franquia ao dar vida a um universo digital vibrante. Tecnicamente simples e com um início lento, o jogo se torna mais envolvente com o tempo, oferecendo uma boa exploração, combates complexos e atividades secundárias razoáveis, ao mesmo tempo que trabalha sua narrativa competente – que equilibra diferentes tons enquanto apresenta uma mitologia rica.

Apesar de algumas limitações visíveis no orçamento, o jogo surpreende por seu escopo ambicioso. Com uma variedade impressionante de criaturas, longa duração, diversidade de mecânicas e atenção aos detalhes, Time Stranger entrega uma experiência sólida que escancara o carinho dos desenvolvedores pela saga.

★★★★☆Ótimo
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