Análise do jogo A.I.L.A

Após o sucesso de Fobia – St. Dinfna Hotel, o estúdio brasileiro Pulsatrix Studios ganhou projeção internacional. Nesse cenário, o anúncio do novo projeto da equipe, A.I.L.A, já veio acompanhado de altas expectativas, impulsionadas pela confirmação do influenciador Max MRM como diretor criativo do jogo. O título foi desenvolvido com um orçamento modesto, obtido por meio de uma campanha de financiamento coletivo que arrecadou R$ 371.020. Pouco mais de dois anos após o término da campanha no Catarse, A.I.L.A chegou ao público em 25 de novembro de 2025, oferecendo uma experiência de survival horror nos moldes dos títulos mais macabros da série Resident Evil.

A história acontece em um futuro próximo e acompanha Samuel, um testador de jogos cuja sanidade é desafiada pela inteligência artificial A.I.L.A, responsável por criar experiências de terror que devem ser testadas pelo protagonista. A dinâmica do game intercala a realização de atividades inicialmente cotidianas no apartamento de Samuel com momentos em que o jogador vivencia os cenários de horror gerados pela IA. Durante esses segmentos, diferentes mecânicas, histórias e monstros são apresentados, porém todas as tramas convergem para um mesmo ponto: a ameaça crescente da inteligência artificial no comando do que deveriam ser apenas jogos eletrônicos.

A construção de cenários de horror completamente distintos é o grande destaque do game. O apartamento de Samuel funciona como um hub, onde é possível alimentar seu gato de estimação, beber uma xícara de chá, assistir televisão, ler arquivos de texto e até mesmo utilizar o computador, que possui algumas funções divertidas a serem exploradas. O cenário é pequeno, porém cheio de detalhes que demonstram o carinho dos desenvolvedores com o projeto. No início, o local é quase acolhedor, até que, pouco a pouco, ele vai sendo dominado pela presença opressora de A.I.L.A. Enquanto isso, os cenários das experiências de terror a serem testadas são, desde o começo, muito macabros.

Ao todo, o jogo possui cinco “fases” a serem concluídas. A primeira delas acontece dentro de um ambiente fechado, onde, com um controle remoto, Samuel salta para uma versão levemente diferente do mesmo local; esta introdução é basicamente dedicada aos puzzles que vêm junto com a mecânica. Em geral, os quebra-cabeças não são especialmente desafiadores, mas realizá-los conforme eventos cada vez mais bizarros começam a acontecer não é nada agradável. O combate só chega a ser realmente integrado ao game na sessão seguinte, em que Samuel encarna um homem que, enquanto procura por sua parceira em uma região rural pouco povoada, acaba preso em uma fazenda com um passado sombrio que parece estar no centro de uma conspiração alienígena.

A construção de ambientes de terror se mostrou um ponto consistente em toda a experiência. De um celeiro repleto de extraterrestres a uma vila medieval assolada por uma maldição, os cenários são impecáveis. Eles nunca chegam a ser totalmente lineares, ainda que também não permitam uma exploração livre: o caminho normalmente fica bem definido, com pequenos desvios feitos para que a passagem possa ser liberada. Trata-se de uma versão simplificada do que costuma acontecer na exploração baseada em áreas a serem desbloqueadas em títulos como Resident Evil e Silent Hill. O destaque fica especialmente para a ambientação, que, fortalecida por uma trilha sonora eficiente e inimigos com designs excelentes, apresenta locais detalhados e genuinamente assustadores.

Infelizmente, os gráficos não fazem jus a tal qualidade. Dos primeiros minutos da campanha até o fim, notei, constantemente, texturas esticadas e com resolução baixíssima. Certos NPCs também chamam atenção por seus modelos precários, que contam com alguns dos cabelos mais feios que já vi em um jogo moderno. É um defeito curioso, pois, em certas sessões, o jogo consegue ser realmente bonito, com vários itens visualmente detalhados. A dublagem, por sua vez, adiciona credibilidade até mesmo aos momentos menos impressionantes graficamente. Todos os dubladores brasileiros se encaixam bem em seus papéis, e a interpretação não destoa da expressão facial dos personagens, algo que ainda é comum até mesmo em títulos de alto orçamento.

A.I.L.A é, muito evidentemente, um jogo indie. Algumas coisas simples, como utilizar o computador de Samuel, são bem menos intuitivas do que deveriam. Essa atividade em específico ganha um papel crucial no fim da campanha, o que me trouxe grande transtorno, já que a mecânica é pouquíssimo responsiva quando utilizada com um controle. O combate, por sua vez, também é vítima dessa falta de responsividade. Ainda assim, este funciona de forma razoável e, por vezes, chega a ser divertido. O arsenal varia bastante dependendo da experiência da vez, incluindo desde armas brancas, como espadas e machados, até armas de longa distância, como uma escopeta e uma besta. O processo de recarga destas últimas não é nada rápido, o que diminui a velocidade do combate, algo que, no contexto do horror, é positivo, pois incentiva uma abordagem menos agressiva por parte do jogador.

Atualmente, boa parte dos jogos vendidos como pertencentes ao gênero survival horror acabam, em algum momento, se voltando totalmente para a ação. Isso não acontece em A.I.L.A. Durante minha jogatina, demorei mais de 50 minutos para dar o primeiro tiro e optei, quase sempre, por fugir de confrontos. A inteligência artificial das criaturas não é especialmente eficiente, permitindo que muitos combates sejam evitados. Ainda assim, nem sempre será possível resolver tudo correndo. Existem chefes com batalhas obrigatórias: eles não são nem um pouco inteligentes, mas possuem designs únicos e carregam grande peso narrativo. É revigorante estar em um game de terror onde, de fato, há terror ao longo de toda a jornada. Inclusive, existe um inimigo stalker, nos moldes de Nêmesis e Mr. X, que apresenta uma ameaça real.

Por mais que o clima de medo persista ao longo das quase 8 horas de A.I.L.A, o jogo não é especialmente difícil. Com exceção de momentos como o citado anteriormente, envolvendo o inimigo stalker, a experiência é fácil — não moderada, nem levemente desafiadora, mas fácil. Munição e itens de cura são disponibilizados de modo que quase nunca faltam meios para combater os oponentes. A morte só ocorre caso o jogador se descuide e acabe encurralado, ou então durante uma luta de chefe. Fora dessas situações, não há muito desafio. Considero isso um defeito, pois uma dificuldade mais acentuada intensificaria ainda mais a ambientação aterrorizante construída e tornaria o combate lento uma dificuldade real, e não apenas um pequeno empecilho.

Para além da jogabilidade, a história se desenvolve com eficiência. Desde o início, mistérios vão sendo apresentados através dos noticiários na TV e detalhes sutis daquele mundo revelam uma dependência por máquinas que causa apreensão. Antes de se provar como uma verdadeira antagonista, A.I.L.A já parece uma ameaça por sua capacidade de entender e brincar com a mente humana. Cada uma das experiências criadas por ela possui um roteiro distinto, com temas bem definidos e eventos realmente macabros. A sessão medieval se destacou em particular, trazendo um excelente mistério contado através de personagens moribundos e arquivos de texto interessantes. Por vezes, é possível esquecer que tudo não passa de uma simulação criada pela verdadeira ameaça daquele mundo.

Ao todo, o jogo possui sete finais, definidos não apenas por escolhas feitas no fim da campanha, mas também pelo karma gerado pelas decisões tomadas ao longo de cada experiência. A trama surpreende e, mesmo quando se aproxima do clímax, continua criando novas situações com histórias tão interessantes quanto a da problemática principal com a IA. Detalhes sutis que podem passar despercebidos começam a ganhar significado, criando um fator replay que incentiva o jogador não apenas a buscar novos finais, como também a enxergar de forma distinta momentos já vivenciados. A escrita é realmente afiada, concedendo a este título imperfeito o potencial de se tornar uma franquia realmente valiosa.

A.I.L.A está disponível para PlayStation 5, Xbox Series e PC. Esta análise foi feita com base na versão de Xbox Series S com uma cópia fornecida pela Fireshine Games.

Considerações finais

Com déficits muito evidentes em seus visuais e na jogabilidade, A.I.L.A apresenta uma ideia melhor do que seu orçamento permite executar. Ainda assim, o título evidencia uma equipe dedicada a superar essas limitações, garantindo uma experiência que, ainda com seus defeitos, consegue engajar e sustentar o medo por meio de uma história genuinamente instigante e de uma ambientação de alto nível.

Funcionando como um hub para diversas experiências totalmente distintas, o game é consistente o suficiente para que, mesmo lidando com várias histórias, monstros, temas e até épocas diferentes, não perca a atenção do jogador. Ao mesmo tempo, ele também desenvolve no momento certo os mistérios que guiam a verdadeira antagonista da trama em direção a uma conclusão definida a partir das ações do jogador.

★★★★☆Ótimo
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