Análise do jogo Mafia: The Old Country

Depois de explorar o conceito de mundo aberto livre para exploração em Mafia III, o estúdio Hangar 13 decidiu voltar às origens da franquia e apostar em uma proposta linear com Mafia: The Old Country. Situada no começo do século XX, a história pela primeira vez deixa de ser ambientada nos Estados Unidos e nos leva até a Sicília, na Itália, região que foi explorada de forma breve no início de Mafia II. É no berço da máfia italiana que acompanhamos uma trama cinematográfica repleta de drama, traição e derramamento de sangue, tudo isso em um ambiente em que a lealdade à família deve estar acima de qualquer coisa.
Iniciando em 1904, a trama é protagonizada por Enzo Favara, um jovem que desde cedo teve uma vida muito difícil. Utilizado como meio de pagamento, ele foi vendido pelo próprio pai para uma mina de enxofre quando tinha apenas cinco anos. Enzo cresceu trabalhando de forma extremamente precária e perigosa no subsolo da mina e, junto com seu amigo Gaetano, estava quase juntando dinheiro suficiente para conquistar a liberdade. Depois de tremores causados por um vulcão próximo serem sentidos na área, os dois são obrigados a procurar um grupo de mineiros que estava desaparecido. As coisas não terminam bem e, revoltado com o fato de as vidas dos trabalhadores não serem nenhum pouco valorizadas, o protagonista encontra uma brecha e consegue fugir da mina, local controlado por Dom Ruggero Spadaro.
Sem ter a mínima noção de onde estava, Enzo acaba indo parar no território de uma família rival e vê sua vida ser salva por Don Bernardo Torrisi, que impede os capangas de Spadaro de matá-lo. Embora não tivesse nenhum conhecimento sobre quem era Enzo, Dom Torrisi decide acolhê-lo e lhe dá uma oportunidade de trabalho no seu negócio de vinhos. Pouco a pouco o jovem começa a se destacar em outros campos, mostrando-se muito útil para diversos tipos de serviço. Sua disposição e lealdade são recompensados por seu chefe, que decide convidá-lo a se juntar à sua família. A partir daquele momento, Enzo sabia que estava inteiramente comprometido com a organização liderada por Torrisi, não lhe cabendo outra opção a não ser seguir às ordens que lhe fossem dadas.
Em meio a essas questões, o protagonista acaba se envolvendo em um relacionamento amoroso proibido com Isabella, a única filha de Bernardo. Enzo acredita que algum dia eles poderão ficar juntos, mas esse é um sonho distante da realidade em que eles estão inseridos. Ele também cria fortes vínculos de amizade com Luca e Cesare, com quem constantemente realiza trabalhos. Luca é o braço direito de Dom Torrisi e desde cedo enxergou potencial em Enzo, enquanto Cesare é sobrinho de Bernardo e tem o dom de irritar as pessoas com seus comentários. Embora careça de originalidade e se mostre previsível em alguns momentos, a narrativa de Mafia: The Old Country é muito bem desenvolvida e sabe trabalhar os seus personagens de forma bastante satisfatória, digna de uma clássica história de máfia.
Com visão em terceira pessoa, ao longo do prólogo e mais quatorze capítulos acompanhamos a ascensão de Enzo na família Torrisi em missões que envolvem trabalhos variados, como invasão de locais, combate contra adversários, perseguições e participação em corridas de cavalo e carro. Existem trechos específicos em que é preciso obrigatoriamente avançar furtivamente ou encarar os tiroteios, mas há momentos em que o game dá ao jogador liberdade para decidir como agir. A construção dos ambientes favorece os dois tipos de abordagem, graças aos cenários amplos e aos vários locais de cobertura.
O arsenal de Mafia: The Old Country conta com pistolas, escopetas, espingardas, rifles, granadas e facas. Enzo é capaz de carregar simultaneamente duas armas de fogo, além de granadas e um tipo de faca. As facas são divididas em três categorias: as que podem ser arremessadas, as que provocam abates instantâneos com um único golpe e as que apresentam maior durabilidade. Elas se desgastam cometendo assassinatos ou abrindo caixas, sendo possível amolá-las se você tiver consigo uma pedra própria. Entendo que esse tipo de mecânica foi um meio de tornar o jogo variado e até mais desafiador, mas na prática acaba não fazendo muito sentido, já que com poucas ações a arma acaba se tornando inutilizável.

Para agir furtivamente, podemos causar distração nos oponentes arremessando moedas e garrafas de vidro, sendo possível matá-los fazendo uso ou não da faca. Como a arma branca se deteriora, na maioria das vezes eu preferi estrangular os inimigos do que esfaqueá-los. Para evitar chamar a atenção, os corpos podem ser escondidos em caixas existentes nos ambientes. Outro recurso disponível durante o gameplay é o instinto, que destaca os adversários e o objetivo da missão. Diferente do que geralmente acontece em outros games, nos trechos em que o jogador pode escolher a forma como agir, se Enzo for avistado os NPCs não deixarão de procurá-lo.
Ao longo da aventura, o protagonista tem confrontos contra alguns personagens do game, ocasião em que participa de duelos utilizando apenas a faca. Nesses trechos, podemos cortar e perfurar o oponente, além de aparar e se esquivar das ofensivas do adversário; outra possibilidade é realizar um golpe para quebrar a guarda do inimigo. Em uma primeira vista as lutas de facas são legais, mas sinto que poderia haver maior emoção nesses momentos, já que eles funcionam como os “chefes” do jogo. Com o passar do tempo, elas se tornam apenas repetições daquilo que já fizemos anteriormente.
A vida do protagonista é dividida em cinco segmentos e se regenera automaticamente até a parte que não foi completamente perdida. A saúde pode ser totalmente restaurada utilizando os curativos. Vasculhando os corpos dos oponentes mortos é possível coletar Dinari (dinheiro do jogo), munição, granadas, moedas e curativos. Além dos recursos, pelos cenários também encontramos documentos, colecionáveis e estátuas de São Celestino. As estátuas concedem amuletos, que são divididos em medalhões e contas, e podem ser equipados em um rosário para oferecer a Enzo efeitos bônus.
Em termos de jogabilidade, Mafia: The Old Country está longe de ser um título inovador, porém entrega mecânicas que funcionam bem durante a jogatina. O game tenta colocar o jogador em diversas circunstâncias, tendo inclusive trechos que lembram bastante os jogos da franquia Uncharted. A inteligência artificial dos inimigos nem sempre funciona bem, mas em alguns casos eles tentam nos surpreender. Como se trata de uma aventura linear, não há muita liberdade para percorrer os ambientes, o que torna o mundo do game subaproveitado. Pelo menu, acessando a opção Explorar, até é possível vasculhar todo o mapa e recolher os coletáveis, porém há muito pouco incentivo para isso.
Visualmente, o jogo impressiona pelo nível de detalhes na construção dos personagens, carros e ambientes. O trabalho de caracterização de época feito pelo estúdio Hangar 13 é excelente, nos transportando para o início do século XX de forma sólida e convincente. O título também se destaca quando o assunto é o som, seja pela trilha sonora, o ronco dos motores dos carros e os demais efeitos sonoros. Ao longo da jogatina alternei entre as dublagens em inglês, espanhol e siciliano, todas com um nível elevado de qualidade. Em outras palavras, é uma obra audiovisual extremamente satisfatória.
Nas mais de 15 horas que passei jogando Mafia: The Old Country, optei por vivenciar a jornada de Enzo no modo desempenho, que prioriza a taxa de quadros. Cheguei a presenciar algumas quedas de FPS, mas nada comprometedor. Não tive nenhum bug ou problema técnico que interrompesse minha jogatina, o máximo que presenciei foram elementos do cenário carregando tardiamente enquanto dirigia os carros.
Mafia: The Old Country está disponível para PC, PlayStation 5 e Xbox Series. Esta análise foi feita com base na versão de Xbox Series X com uma cópia fornecida pela 2K.

Considerações finais
Nem todo jogo precisa ser exaustivamente grande e com mapas enormes para serem explorados. Mafia: The Old Country busca simplificar esses dois aspectos, apostando em uma abordagem linear e cinematográfica que explora as origens da própria franquia. Mesmo sendo previsível em certos aspectos, a narrativa conta com personagens carismáticos, o que me deixou envolvido com a história do começo ao fim.
O estúdio Hangar 13 escolheu apostar no seguro na parte do gameplay: nada aqui é novo, mas tudo funciona bem dentro da proposta almejada. Mesmo que se esforce para fazer o jogador vivenciar situações diversas, as batalhas de faca acabam se repetindo ao longo da aventura, não havendo nenhuma variação nesse aspecto a não ser o adversário. Visualmente impressionante, Mafia: The Old Country proporciona uma experiência agradável para amantes do gênero.