Análise do jogo Alan Wake 2

Quando foi lançado em 2010 para Xbox 360, Alan Wake chamou a atenção por seu enredo intrigante e o formato episódico que se assemelhava a uma série de TV. Com o passar dos anos, muito se especulou sobre uma continuação, mas a Microsoft era detentora dos direitos de publicação e parecia não estar interessada em uma sequência. Uma luz surgiu no fim do túnel quando a Remedy adquiriu em 2019 a propriedade intelectual do jogo, deixando o caminho livre para continuidade da história do escritor. Em 2023, Alan Wake 2 chegou ao mercado e depois de ter finalizado o game, posso dizer que a espera de mais de 13 anos valeu a pena.
Diferente de seu predecessor, Alan Wake 2 é protagonizado por dois personagens, o próprio Alan e a agente do FBI Saga Anderson. Saga foi enviada até Bright Falls junto com seu parceiro, Alex Casey, para investigar três assassinatos ritualísticos ocorridos na região. Logo que chegam na cidade, os dois precisam ir até Cauldron Lake, onde um novo corpo havia sido encontrado. Na cena do crime, Saga se depara com um cadáver amarrado em uma mesa com um enorme corte no peito, o coração havia sido retirado e deixado ao lado do corpo. A vítima era Robert Nightingale, um ex-agente do FBI desaparecido há 13 anos. Curiosamente, os outros homicídios também foram cometidos contra pessoas que estavam sumidas por esse mesmo período.
Analisando a área próxima ao local do assassinato, Saga encontra uma página datilografada que contava com algumas anotações à mão. Lendo o seu conteúdo, ela percebe que se tratava dela própria, do seu parceiro e da investigação sobre a morte de Nightingale. Assim que retorna a Bright Falls, a agente começa a presenciar uma série de fatos estranhos e logo se dá conta que aquele não era um caso normal. Mesmo que não houvesse uma explicação racional para tudo o que estava acontecendo, ela e Casey precisavam desvendar o mistério. Além disso, os moradores locais tratam Saga como se já a conhecessem, o que torna tudo ainda mais estranho.
No outro lado da história, acompanhamos Alan Wake tentando encontrar formas de escapar do Lugar Obscuro, onde ele está preso desde o final do primeiro game. Percorrendo uma versão sombria da cidade de Nova York, o escritor acaba tendo contato com pessoas que o auxiliam, se depara com situações bem esquisitas e acaba descobrindo a história de uma seita que recria os assassinatos descritos nos seus livros. Enquanto Anderson e Wake fazem progresso em seus objetivos, as histórias dos dois acabam se cruzando, momento em que as coisas passam a ficar bastante interessantes.
Em termos narrativos, a trama tem um desenvolvimento complexo e que nos faz questionar se aquilo que estamos presenciando é real ou não. Isso acontece devido à forte presença de elementos surrealistas, algo semelhante ao visto na série Twin Peaks. Aliás, o próprio Sam Lake, codiretor do game, já revelou que a obra de David Lynch serviu de inspiração para a criação de Alan Wake 2. A adição de Saga foi um grande acerto, proporcionando um novo tipo de abordagem que nos fornece detalhes importantes para a compreensão do que está acontecendo. Assim que concluí a história e tive uma visão mais clara de tudo o que havia presenciado, fiquei maravilhado com o trabalho entregue pela Remedy.
Logo que iniciamos o game, assumimos o controle de Saga e Alan em momentos pré-determinados pelos desenvolvedores. Atingindo um ponto específico da história, liberamos a opção de alternar entre as realidades dos dois protagonistas, momento em que podemos escolher a ordem em que iremos progredir com cada um. A troca somente pode ser feita nos refúgios, locais que também servem para salvar o jogo e guardar itens que não estamos utilizando, já que o tamanho do inventário é limitado. O mais legal é que cada personagem possui suas próprias características de jogabilidade, dualidade que funciona muito bem durante a jogatina.
O jogo adota um tom investigativo quando assumimos o controle de Saga, momento em que encaramos verdadeiramente o trabalho policial, nos cabendo conversar com as pessoas, coletar provas e lidar com aquilo que tenta impedir a nossa progressão. Algo que ajuda bastante nesse processo é o Lugar Mental, onde a agente do FBI utiliza suas habilidades de dedução para avançar nas investigações. Podemos organizar todas as provas coletadas no quadro de casos, que vai evoluindo à medida que as evidências são posicionadas nos locais corretos. Saga também pode fazer uso do Perfil para entrar na cabeça de suspeitos e vítimas e descobrir novas informações. No Lugar Mental ainda é possível conferir o conteúdo das páginas do manuscrito, aprimorar as armas e verificar os programas de rádio e as propagandas de TV que encontramos. Um detalhe importante é que enquanto estamos no Lugar Mental o jogo não é pausado, ou seja, é bom verificar se não há ameaças por perto.
Já no controle de Alan, como era de se esperar, temos uma pegada mais sombria. No Lugar Obscuro, uma das principais ferramentas do escritor é a Lâmpada de Anjo, que permite a absorção e liberação de uma fonte de luz no ambiente. Isso serve para desbloquear novos caminhos, já que em alguns trechos do jogo a presença ou não da luz modifica o cenário. Tal como Saga, Wake também tem o seu próprio espaço, a Sala do Escritor, onde ele consegue reescrever a realidade de alguns locais com o quadro de enredo, além de poder aprimorar suas habilidades com as Palavras de Poder que encontramos pelos cenários. Tanto o uso da lâmpada quanto o recurso de reescrever as cenas são mecânicas que funcionam bem e nos oferecem novas formas de exploração, sem mencionar que é bem legal ver o ambiente ser alterado instantaneamente.

Embora os protagonistas estejam em realidades completamente diferentes, tal como no primeiro jogo a lanterna segue tendo um papel primordial: intensificando a sua luminosidade, conseguimos queimar a escuridão em torno dos inimigos para posteriormente causar-lhes dano. Sendo o primeiro título da Remedy do gênero survival horror, temos recursos escassos, porém suficientes para superar os desafios. Os momentos mais tensos são aqueles em que precisamos lidar ao mesmo tempo com várias criaturas que nos atacam de diferentes maneiras. Como o processo de recarregar a arma não é executado com muita agilidade, esquivar às vezes é uma boa opção. Apesar dos riscos, vasculhar cada canto dos cenários costuma ser recompensador, ocasião em que descobrimos segredos e puzzles para serem resolvidos.
Visualmente, Alan Wake 2 impressiona por sua beleza e ambientação. Seja explorando a região de Bright Falls ou a versão de Nova York no Lugar Obscuro, nos deparamos com uma riqueza de detalhes nos cenários, seja durante o dia ou à noite. Os amantes do modo foto certamente vão conseguir fazer ótimos registros no game. A transição entre o virtual e cenas gravadas com atores reais é feita de forma dinâmica, o que mostra que a Remedy conseguiu evoluir na premissa de misturar esses dois elementos. A parte sonora não fica para trás: além das ótimas músicas, os outros elementos sonoros contribuem para a construção do clima de apreensão. As sombras sussurrando o nome de Wake é um bom exemplo de como o título consegue construir uma atmosfera de terror psicológico.
Alan Wake 2 conta com dois DLCs que expandem o universo conectado que a Remedy vem construindo. O primeiro deles, Night Springs, apresenta três histórias independentes e mostra o quão ousado e criativo o estúdio é. Se você conhece o universo de Alan Wake provavelmente sabe que Night Springs é um programa de TV, e aqui basicamente jogamos três de seus episódios. No primeiro capítulo controlamos a garçonete Rose em uma tentativa de proteger o seu ídolo. O segundo gira em torno de uma mulher, visualmente idêntica a protagonista de Control, que está buscando seu irmão desaparecido. Já no terceiro, que é de longe o mais impressionante, temos o ator Shawn Ashmore, dirigido pelo próprio Sam Lake, gravando cenas para um jogo. Este último episódio conta com inúmeras referências a Quantum Break e também presta uma homenagem aos primórdios dos videogames. Cada capítulo tem uma proposta e todos são bastantes divertidos de jogar.
Já o segundo DLC, The Lake House, é protagonizado por Kiran Estevez, uma agente de investigação do Departamento Federal de Controle (FDC, na sigla em inglês) que conhecemos durante a campanha de Alan Wake 2. Cronologicamente ambientado antes do game, somos levados até uma misteriosa instalação localizada na região de Cauldron Lake, onde um casal de cientistas estava realizando uma pesquisa. Estevez adentra no local sozinha e aos poucos vai descobrindo as atrocidades que ali eram praticadas. O complemento adota uma narrativa intrigante e que, assim como o jogo base, muitas das vezes nos deixa confusos.
Joguei Alan Wake 2 e seus complementos no modo desempenho, que prioriza a taxa de quadros. Nas minhas mais de 30 horas de jogatina, notei quedas de fps em alguns momentos, mas nada que chegasse a incomodar. O jogo fechou sozinho uma vez e durante o DLC The Lake House houve um instante em que o game ficou completamente sem som, o que me obrigou a reiniciá-lo. Notei também instantes em que a legenda em português está dessincronizada com o áudio. São situações que acabam gerando um pequeno incômodo, mas que não chegaram a interferir profundamente na minha experiência por se tratar de casos isolados.
Alan Wake 2 está disponível para PC, PlayStation 5 e Xbox Series. Esta análise foi feita com base na versão de Xbox Series X com uma cópia fornecida pela Remedy Entertainment.

Considerações finais
A Remedy nunca escondeu o desejo de produzir uma sequência para Alan Wake: o caminho para tornar isso possível não foi simples, mas o resultado final é extremamente recompensador. Alan Wake 2 é aquele tipo de jogo que impressiona em todos os quesitos, proporcionando uma jornada intensa e que deixa um certo vazio após a conclusão. Protagonizado por dois personagens, temos um enredo complexo, extremamente bem desenvolvido e que surpreende com suas reviravoltas. Por mais diferente que as histórias dos protagonistas pareçam, elas se complementam de forma inteligente, contribuindo para a construção do rico universo do game.
Essa dualidade também é observada no gameplay: enquanto os trechos de Saga são focados na investigação, Alan utiliza o poder da luz e suas habilidades de escrita para mudar a realidade e tentar escapar do Lugar Obscuro. Trata-se de um survival horror muito bem equilibrado e que acerta em tudo o que se propõe. A parte audiovisual também não decepciona e encanta com gráficos belíssimos e uma trilha sonora espetacular. Juntando todos esses aspectos, Sam Lake e sua equipe entregaram uma obra-prima, um título extremamente prazeroso de ser jogado.